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Bocaina

Mar 26, 2023

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Descrição de texto fornecida pelos arquitetos. Arquitetura é mais do que apenas construção; é antes de tudo uma ideia. A ideia para esta casa foi imaginar poeticamente uma situação onde as pedras sempre estiveram ali, rearranjadas pela natureza, como uma ruína atemporal. Inserida precisamente no melhor local, na encosta mais soalheira, protegida dos ventos de sul e aberta ao sol de norte. A nossa ruína estaria no local exato, escolhido após meses de observação e apreciação: estamos assim a fazer uma ruína novinha em folha! Este não é um plano de site delicado, não. A casa não "descansa" no terreno, não toca a terra com pilotis e não é estruturalmente ousada. É um plano de terreno contundente, embutido na encosta, florescendo do solo.

Bem, não há mais nada a fazer em relação a esta ruína, ou quase nada. E foi exatamente isso que fizemos. Acrescentamos apenas o necessário para fazer desta ruína um lar. E em oposição ao que é do terreno, as pedras e tudo colocado sobre a ruína que veio de fora, utilizando o que há de mais moderno e racional na construção civil: madeira laminada cruzada (CLT) e vidro. A natureza desses materiais reivindica suas posições na estrutura.

Aqui surge uma discussão de longa data na arquitetura, matéria desenvolvida à exaustão desde o Renascimento, mas negligenciada pelo Modernismo: a articulação da fachada, a relação entre aberturas e fechamentos, cheios e vazios, paredes entre janelas , paredes sob janelas, vergas, portas e janelas, alinhamentos e desalinhamentos. Fazer uma abertura de janela numa parede é uma das coisas mais difíceis de fazer em arquitetura, como lamentou Souto de Moura numa entrevista sobre o projeto do Convento de Santa Maria do Bouro: “a própria ideia de abrir janelas é difícil para mim, uma tipo de trauma de infância, o que é perceptível."

Mais uma vez voltando-se para a história, a nossa ruína pré-moderna e intemporal tem aberturas regulares que se distribuem regularmente pela fachada, independentemente do que aconteça no interior, como um clássico. Enquanto no piano nobile, com vidro e madeira, o critério se inverte, cada peitoril tem uma altura diferente, atendendo apenas a uma demanda interna, e aqui não há articulação clássica, mas aberturas rasgadas, parede a parede. A sequência clássica (base + coluna + entablamento + ressalto + frontão) ou a sequência de um sobrado tradicional brasileiro (base + piano nobile + cobertura) é quebrada no esquema da fachada. O nível do porão não possui linha ou linha de transição para o piano nobile. A base se estende até o peitoril da janela do piano nobile, de acordo com cada situação. A mimese entre o pedestal e o piano nobile e as flutuações assimétricas dos peitoris bloqueiam qualquer classicismo e reduzem a percepção da altura da casa. Esta não é uma casa clássica de dois andares - é uma casa sobre uma ruína.

A localização do terreno resulta de um equilíbrio de forças entre a energia gasta para construir em um local alto e a melhor posição em relação ao caminho do sol, vistas e acessos. Voltando ao início, no local exato onde deveria existir uma ruína.

Susanna Moreira